
A cada gole Maria queria afogar a si mesma. De todos os relacionamentos que conheceu, aquele com Augusto fugia ao padrão. Era para ser casual, essa é a regra. Quando se deu conta, Maria viu que mantinham conversas há três meses. Precisava acabar com aquilo, antes que um ou ambos saíssem magoados da relação. Maria não acreditava em relacionamentos, nem em mudança e não acreditava em si mesma. Vida vazia. Achava que era igual para todo mundo. Sabia que para manter uma vida de relacionamentos casuais, a segunda regra é não se abrir. Desabafos estavam fora do jogo. Pensou que Augusto se afastaria quando ela contasse o caos em que vivia. Ao contrário, ele a abraçou bem forte e falou que não precisava ser daquele jeito. Maria sentiu uma sensação muito estranha, percebeu que alguém a ouviu. Era estranho ser ouvida, levada a sério. Normalmente Maria mantinha a boca fechada, sorria dependendo do teor das conversas e participava com expressões faciais e bocejos hora ou outra. Normalmente todos os assuntos a entediavam, as vezes esses assuntos estavam tão distantes, que se distraía com o desenho molhado que o fundo dos copos fazia na mesa. Quando não formavam imagem alguma, discretamente, fazia uma mandala com os círculos do copo. Com o passar do tempo, ia aos eventos pela bebida, as conversas eram sempre as mesmas.
Fazia muito tempo que estava bebendo pelas mesmas ruas e vendo as mesmas pessoas. Maria queria outro tipo de vida, mas não conhecia outra vida além daquela. Todo mundo tem seus vícios, pensava ela. Já havia aceitado namorar um pior que o outro. Acreditava que tinha dedo podre pra homem, sofreu demais por codepender. Ria de si mesma ao pensar em reabilitação. Mas dizer não, também era algo impossível. Esperança já era algo do passado. Queria prazer, já que amor era assustador demais. Começou a beber com Josué. A cocaína com Aluísio. O LSD com o Luís. Bala com Jorel. E se dizer viciada era exagero. Mas o uso dessas substâncias obedecia a ciclos. Comparar-se com os outros a fazia se sentir menos mal, não usava tanto quanto eles. Se eles não eram viciados, muito menos ela que nem usava tanto. A bem da verdade é que achava que tinha entrado nessa por amor. E que droga de amores foram esses.
Sentia-se carente, mas a terapia que havia feito, a fez se livrar dos caras, pena que não dos vícios. Sentir-se ouvida e levada a sério por alguém que não era uma amiga com conselhos não profissionais, ou além disso, ser ouvida e não precisar pagar alguém para isso! Só podia ser mentira. Achou que Augusto estava fingindo e não acreditou que pudesse existir alguém interessado em seus problemas e em sua vida. Maria queria construir uma família. Soava ultrapassado, mas era isso. Todo aquele ciclo de drogas era creditado a cólica mensal e ao medo inconsciente de não poder ter filhos nem a tal família. Já estava com 27 e desde os 24, vez após vez, não conseguia parar. Augusto acreditava em fidelidade, em mudança e em amor. Acreditava que ela conseguia mudar se quisesse. Maria já havia perdido as esperanças que pudesse existir alguém assim. Augusto a amou tanto e tão intensamente que, fez Maria se afastar. Ela não estava preparada para a atenção que ele queria dar nem pro amor que ele tinha. Demorou dois anos e meio até ela perceber que conseguia acreditar nas mesmas coisas que Augusto. Demorou aquele tempo para ela se livrar das “vacas sagradas” que herdara de seus ex amores adictos. Demorou para ela conseguir se amar.
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Texto e releitura Carol Rehbein