por Rafael.
Hoje, vindo embora, me deparei com uma situação de outros tempos, que jamais imaginei por aqui, a uma quadra de casa, a menos de um quilômetro do centro. Era uma égua, que acabara de dar à luz um frágil e persistente cavalinho.
Como quem não sabe se expressar de outra maneira, lambe o filhote num um acalanto que parece o instigar a assumir uma postura diante da vida, e em poucos minutos ele se inquieta para levantar.
Suas pernas são o contraste entre a fragilidade e uma força descomunal. Tremendo, ele começa a se erguer, tão lentamente que me enche a vida de vazio. As pernas cedem, e ele cai.
Cai com as pernas dobradas, na posição que parece ideal para nunca mais buscar o desconforto de tornar-se em pé, mas novas lambidas da mãe o colocam a forçar novamente as frágeis pernas tremulantes.
O vazio já me transbordava. Sabia que chegaria em casa, cairia no sofá e ninguém se imporia caso eu não levantasse.
Levantou e caiu umas quatro vezes. Quedas cada vez mais impossíveis de se recuperar. Mas daquelas lambidas parecia emanar uma motivação maior que todas as forças possíveis.
E ele voltava a levantar, tremia, forçava e evoluía mais e mais, até que pôde finalmente esticar todas as pernas sob o peso de seu corpo.
Elas tremiam, uma a uma, muito mais do que eu seria capaz de tremer sem que caísse. Tivesse eu aquelas lambidas ao meu lado, provavelmente estaria em pé também. Estes cavalos me enjoam, sinto sede, tenho saudades de minha mãe. O que ela me dizia quando eu tentava dar os meus primeiros passos? Talvez seja melhor mesmo termos apagadas estas primeiras lembranças de nossas vidas.
Tanto esforço para te colocar em pé, e agora, cavalinho, o que será da tua vida? Uma força além de si para se postar diante de uma vida que nada significará a ti. De que vale o esforço que te deixarás apto a te esforçar cada vez mais para facilitar a vida do teu dono e, nas horas vagas, divertir os filhos dele?
É claro que com isso não te preocupa. Assim como não me preocupava ao me superar com meus primeiros passos. Não sabia o porquê, mas buscava dá-los com todas as minhas forças.
Eles me trouxeram até aqui. Soubesse eu disso àquela época, teria poupado esforços.
Mas disso, nada te preocupa, pois cavalos não são donos de si mesmos, pois nascem para serem usados.
Deveria eu me preocupar? Seria viável lamentar a vida ou a morte de seres que não lamentam entre si?
Olho para dentro de mim e vejo algo imóvel, sinto sede, estou cansado. Me sinto tão frágil quanto a cinza pendurada na ponta do cigarro, prestes a cair e aguardar um sopro qualquer que a dissolva.
E quanto a ti, cavalinho, aproveita as lambidas da tua mãe e suga aquelas tetas, que tivesse um mínimo de consciência e lembrança dessas tuas primeiras horas, arrependeria-te também pelo resto de uma vida da superação a que estas lambidas te levaram.