Descobertas tardias 0 806

postado por Rafaé.

A casinha branca, de longe, se confunde às vacas, em meio ao verdidão do pasto. Vista daqui não se percebe vida, salvo os dias em que o fogão a lenha trabalha. A chaminé baforando me parece um convite para um agradável refúgio do frio. Nunca soube nada a respeito de quem alimentava a tal chaminé. Até que minha curiosidade superou a prudência.

Naquela quarta-ou-sexta-feira o tédio me consumia. Após envelhecer aqui, o único local que ainda não explorei é essa tal casa – que de longe parece uma vaca fumegante. Pra ser sincero, há uns cinquenta anos que não me aventurava em explorações. É, mais um prazer guardado no passado. Novamente o novo me seduziu. Desconforto a parte, embarquei.

Camuflado no pomar, me aproximava. Em meio àquela tensão, o nó na garganta me lembrava as inseguranças da adolescência; ou as malditas provas de aritmética. Mas, assim como na juventude, estava decidido a encarar mais esse desafio. A única diferença é que certamente não teria o mesmo fôlego pra fugir, caso ocorresse algum provável-imprevisto. Assim fui.

Chegando próximo às goiabeiras, me distraí com o aroma. Aquele cítrico reforçava ainda mais minha jovialidade. Podia sentir o azedo em minha língua – salivei. Mas como nem só de lembranças se faz uma exploração, continuei. De bruços avancei e, assim que saí de trás das árvores, o diagnóstico: não havia casa alguma naquela localidade. Apenas umas três dúzias de vacas. Quanto à fumaça, descobrirei em minha próxima expedição.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski