Horizonte Limitado 1 627

postado por acidente Rômulo, o fundador

O prédio tinha várias janelas. Considerando que devia ter uns quinze andares, era de se esperar que tivesse muitas janelas. Mas o intrigante era que, entre elas, havia uma janela pequena. Só uma janela pequena. Em uma mesma coluna de janelas que davam para a sala dos felizes moradores, um dos apartamentos tinha uma janela pequena. “Por quê?”, me ocorreu. Qual diabos seria o motivo de apenas um desses moradores ter em sua sala uma janela pequena? Não que a janela fosse pequena feito janela de banheiro, não me entendam mal. Era uma boa janela. Mas muito menor do que o esperado para uma janela dessas que aquecem e iluminam uma sala com a luz do esbranquiçado sol curitibano.

Parecia simplesmente errado. Como viveria o pobre coitado? Devia sentir constante falta de ar… Fora que – e esse pode até ser um ponto positivo – nos dias de folga ele talvez nem acordasse com a luz batendo na cara (confesso que não reparei se tinha cortina; talvez tivesse, o que diminuiria a relevância desse trecho).

Me perguntei também sobre o barulho. Em certo momento da vida, tentei fingir que gostava do mais completo silêncio para dormir. Tudo mentira. O fato é que eu sinto uma solidão bizarra quando não ouço pelo menos um carro passando a cada duas horas na madrugada. Também não é como se eu curtisse dormir ouvindo desfile de escola de samba, caro leitor. Mas gosto de ouvir um carro fazendo barulho ou um bêbado ocasional fazendo arruaça.  E aí? Aquela janelinha dá conta? Sério mesmo, eu duvido.

É com certeza uma lástima a vida do coitado. Deve se chamar Eugenio. Sempre acho que os estranhos se chamam Eugenio (não lembro de ter conhecido um Eugenio). E o pior é que se um dia ele se der conta da tristeza que lhe acomete, não vai conseguir pular por aquela pequenina janela, tadinho.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski