Passado recortado a partir de um presente – já colado 3 648

postado por Rafaé, o que lhe cabe.

O cenário de destruição, com roupas e sapatos misturados a livros e anotações, que compõe meu quarto é o retrato da disposição das memórias que carrego. Não sei diferenciar lembrança do que é versão.

busco, reviro, não encontro; ou possuo e não reconheço.

Certas lembranças parecem guardadas com etiquetas indevidas. No compartimento de “esquecimentos”, entre outras, situações dolorosamente ignoradas. Mas para elas, sempre existirão explicações temporariamente eficazes.

o presente se torna passado antes que eu visualize um futuro.

Entre as bagunças, física e mental, vejo fotografias de uma realidade questionável. Leituras de um então presente que já nem sei se existiu. Como as daquela tarde, no parque de sempre, sob a árvore que, além de sombra, dava pêssegos.

Eu, deitada em seu colo, lançava meu olhar ao horizonte, sem me preocupar com a distância em que ele se encontraria. Já você, me fitava. Ali, a menos de meio metro de seus olhos.

Sempre atribuí ternura ao seu olhar, mesmo sabendo que não se podem ver seus olhos nesta foto. Só você sabe onde estava. E por mais que não estivesse ali, trago comigo o conforto que senti.

E são as lembranças recortadas que constroem minha memória. Este passado-editado ampara o meu apático-presente, que tenta se convencer de que está pronto para enfrentar um futuro que, ai, só de pensar, sufoca.

olhando para trás
vejo
as únicas coisas
que não tenho
um ex-amor
o que não inventei
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Distante das Linhas de Nazca 0 1285

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1218

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski