Toda festa tem suas peculiaridades.
Nessa, os presentes pegam os telefones dos bolsos e das bolsas para falar com gente que não está lá, para twittar sobre cada tópico discutido em tempo real, para atualizar seus status no facebook ou para usar outras redes sociais. Muita previsibilidade e elaborações banais sobre tudo e nada, como esta anterior, aliás. No salão enorme, mas pequeno demais para tanta gente que, ao menos autodeclaradamente, brilha, admitem inconscientemente que prefeririam outras companhias. Pelo menos neste momento, ou em todos os outros que ocorram dentro dessa noite tão pobre de emoções.
As mulheres e os homens são bonitos, ou estão arrumados, o que costuma ser mais ou menos a mesma coisa nesse tipo de contexto.
Representantes do empresariado local e dos poderes municipal, estadual e federal fazem discursos mais longos que os temas merecem. Mas disso eles não podem ser culpados, porque os discursos são sempre assim. São palavras e palavras e palavras e sorrisos e aplausos protocolares que parecem não ter fim e que conseguem irritar, mesmo que em pequena escala, 298 pessoas que os assistem (dentre um número total de 316 espectadores). Os discursadores no entanto acham que estão fazendo um trabalho agradável, mas disso também não podem ser culpados, já que a autocrítica nunca é a qualidade mais presente ou evidente no comportamento de quem quer que seja.
Definição boba da ideia de guerra contra o ego: é mais comum declarar que deflagrar.
Esta e outras frases feitas de palavras ao vento certamente continuarão vindo, carregando pesadamente conceitos batidos, verdadeiros ou não, mas que continuam a ganhar resistência com o tempo, curtidos em seus próprios usos irrestritos.
Já na porta, uma dupla de tequileiros faz um show pirotécnico para servir uma bebida que é etilicamente próxima do conhaque, do uísque, da vodka e da cachaça, mas que é apresentada como uma porta de entrada a um terreno de diversão descontrolada, passional, intensa. As razões para que isso aconteça são tão obscuras quanto os filmes de cinema e peças de propaganda que inicialmente começaram a difundir a ideia. Eles, os tequileiros, são pagos para emular o México que é visto nos filmes, que por sua vez emula o México da literatura criada por quem não vive no país, que por sua vez tem pouco ou nada a ver com o México de verdade. Não que seja necessário incutir qualquer suposta autenticidade num show assim, visto que a fascinação com o fogo e a atenção que gritos chamam jamais serão temas exclusivamente mexicanos.
Realidade, ou: uma construção de cuja origem ninguém lembra por razões mais óbvias que as culpas e os arrependimentos.
Pastiche torto. Um baile de máscaras sem música ou dança. Natimorto, então.
Muitos andam com um certo ar blasè pelo evento, apesar de estarem bastante interessados em fazer novos amigos, desde que estes sejam influentes em certos círculos da cidade.
Agora, os discursos acabaram, e iniciou-se o aproveitamento dos pratos e bebidas da noite. Esta degustação é o motivo da presença de quase todos, com exceção de um dos membros do poder municipal, que vê na parceria com os empresários que aqui estão uma plataforma eleitoral interessante e proveitosa o bastante para tirar-lhe de casa nessa data, que coincide com o aniversário do filho mais novo dele.
Daquele jeito:
ninguém é perfeito.
Ouve-se ao longe uma moça vociferando contra a configuração da sociedade, e contra a falta de oportunidades e condições iguais para que todas as pessoas possam se desenvolver bem e através dos próprios esforços. Ela acabou de ser filmada para aparecer na coluna social de um programa local de televisão, destes que cobrem este tipo de evento. Ela descobriu hoje que passará a ganhar um salário maior no emprego devido a uma promoção. A hipocrisia dos outros a irrita, só um pouco menos que a evidente falta de alguém qualificado para discutir o tema agora. Dessa forma, e a despeito de já passar da meia noite, liga para uma grande amiga, que vem a ser também sua manicure, toda vez que a agenda de ambas permite. E a agenda de ambas sempre permite, toda quinta-feira às 19h30, com raras exceções, a R$ 15,00 a sessão.
Serviçais servem serviçais que fingem não sê-los. Os serviçais que servem não conseguiriam garantir a estranheza dessa relação por causa da alta quantidade de trabalho para realizar. (A quantidade de atividades forçadas que alguém realiza é sempre inversamente proporcional ao tempo que se tem para refletir sobre a natureza delas, seja quem as pratica quem for). Mas os serviçais que estão sendo servidos sim, sabem que têm a quem se reportar em algum lugar, mas não gostam de pensar nisso. Em alguma instância, nem podem, pelo bem da continuidade de seus projetos pessoais de felicidade.
Um dos destaques positivos da noite é o sabor de um dos pratos. Trata-se de batata frita, mas com um molho de nome estrangeiro que ninguém conhece mas não tem desenvoltura para admitir. Muitos têm uma opinião bastante elaborada sobre a qualidade e o sabor deste molho, comparando-o ao original, (diz-se que) criado e servido num vilarejo na Itália. Lá, inclusive, ele parece ter algo a mais, talvez pela qualidade do terreno e dos tomates que são cultivados na região.
E a volta às obsessões, sempre as mesmas:
a penúltima linha, agitada.
A última linha, serena.
Marco Antonio Santos.
A parte um tem pouco a ver com esta, mas de qualquer forma está aqui: Gente de bem não fala esperanto