por Rafael
Maurício seria um menino qualquer, com suas inconsequências, brigas com as irmãs mais velhas, preguiça de estudar e a relutância em tomar banho, não fosse um único e isolado fato: minha carência por um irmão.
Foi ele quem despertou pela primeira vez o amor por um amigo em mim. Obviamente, à época não percebi isso, e lamento com todas as forças destes mundos em que vivo. Foi Maurício quem encontrou em mim aquela vontade de querer estar sempre junto, querer bem, querer cuidar, querer ser. Era com ele que eu me sentia bem, que fugia de todo o vazio do meu quarto.
Eu queria ter ele em meus braços, embalá-lo, tirar uma foto como tiram todas as crianças, em algum momento, com seus irmãos mais novos no colo, ainda bebês.
Era com Maurício que eu subia no pé de manga, no pé de pitanga, no telhado, que sempre quebraria, correria sobre o muro, e viveria tardes em que nada além do quintal entre as duas casas existiria. A não ser quando quebramos o cano da caixa d’água do vizinho e inundamos um mundo inteirinho. Tivemos que nos esconder de todos, atrás da casa. Nunca ninguém nos achou lá, onde ficamos até que a água chegou ao pescoço, nos obrigando a ficar de castigo.
Maurício morou nos fundos da casa da minha tia por um tempo que eu nunca soube medir.
Foram dias em que tudo o que eu fazia, se não fosse com ele, quereria que fosse. Sempre que fosse a algum lugar longe dele, pedia pra leva-lo junto. E seria assim pra sempre, claro que seria, não fossem esses detalhes são irreversíveis no percurso do tempo, tal e qual as pedras de uma ribanceira para o endereço da foz de um rio qualquer.
Jamais soube o verdadeiro motivo, e isso era detalhe de bastidores, que jamais chegam aos ouvidos das crianças, mas Maurício passou a não estar mais em minhas tardes.
Diariamente, depois da escola eu corria até a casa dele para encontra-la fechada, sempre fechada. Todos os dias acordava com a esperança renovada, de que chegaria lá e o encontraria para que pudéssemos viver o que sempre vivíamos, com a intensidade que transforma todos os universos em um estádio de futebol de cinco por três metros. Era esse sentimento que eu queria recuperar.
Hoje sei que aquilo que se sucedia às janelas da casa de Maurício fechada era uma espécie de tristeza. Mas nada muito extremo, pois era uma criança ainda descobrindo a parte sem felicidade de uma vida.
Foram esses dias que me ensinaram a me encontrar em cima de uma árvore. Sempre buscando subir o mais alto possível, eu provava a mim mesmo o quanto eu era bom. Como um barão das árvores, aprendia novos truques, novos movimentos, para subir cada vez mais alto, até que não houvessem mais galhos para, no dia seguinte, mostrar a Maurício o novo lugar a que poderíamos ir juntos. Mas ele nunca mais voltou.