por Jean Suzuki
Encostado no parapeito da sacada, observa do décimo oitavo andar as luzes dos semáforos se fundirem ao feixe de luz vermelha dos carros, dando um tom pitoresco ao crepúsculo.
A cada dose, o nada se alastra em seu organismo, dilascerando suas vísceras, preenchendo veias e artérias, levando o vazio para todo o seu corpo. Acende um cigarro e tudo aquilo se transforma em uma densa fumaça de prazer e nirvana.
Os grooves de Marcus Miller se fundem ao barulho do secador de cabelos. Na TV, há um desfile daquelas bundas famosas de nomes anônimos.
– Caralho, que horas são?
– Ainda é cedo – ela grita da sala.
– Não era pra gente…
Antes de prosseguir, corta a frase e apenas a observa.
O uísque é a sopa de letrinhas na escassez das palavras.
O secador desliga.
Pôde ouvir seu silêncio.
O vestido dela é negro como a sombra de uma nuvem em um oceano deleitoso. Nas últimas semanas, é onde tem mergulhado em prazeres para abdicar as angústias que o sufocam.
O relógio tic-taca.
Ele a olha com desejo.
Ela nota e ri, desconcertada. Corresponde.
Ele leva o copo até a boca com um riso no canto dos lábios.
Ela se esforça para fechar o zíper das costas.
Ele ajuda.
– Não era pra gente estar lá já?
– Para de ser chato, já tô quase pronta – ela responde rindo.
Continua a fitando. Entre uma tragada e outra, imagina como seria deitar no colchão em uma noite fria, com os pés gelados e cegos por não encontrarem os dela. Ela é a única realmente capaz de preencher este abismo que o habita.
Acho que eu a amo, pensa. E amar é foda, conclui. Esse é o pior tesão que existe. Os amores carnais geralmente são devastadores. Com ela, até planeja ter uma casa com jardim, um cachorro, um emprego seguro e um carrinho na garagem para buscar as crianças na escola. Sempre achou esse pensamento medíocre, mas agora tem a certeza que mediocridade é ser um dono do mundo solitário.
Olha ao redor.
Desde que ela começou a visitar seu apartamento, há 3 semanas, as roupas no chão triplicaram, os cabelos no ralo do banheiro multiplicaram e na TV tem passado mais comédia romântica que futebol.
Mas está feliz com isso.
– Tô pronta, ela diz.
– Tá maravilhosa, ele pensa.
Bebe o último resquício do uísque e apaga o Lucky Strike no gélido piso. Descarta a xepa em um vaso sem vida que serve de cinzeiro.
Apaga a a luz da sacada.
Desliga a TV.
Pega as chaves.
Coloca o blazer.
Antes de sair, dá uma última olhada rotineira.
Vê sapatos espalhados, prancha de cabelo, secador, sutiã, toalhas, escova, estojo de maquiagem e um filme qualquer do Adam Sandler sobre a mesinha de centro.
Está tudo em ordem.
Não há mais vazio.
Apaga a luz.
Fecha a porta.