por Rafael
Vim escrever. Talvez por desencargo de consciência, talvez por necessidade. Talvez eu esteja fugindo do que realmente preciso fazer. Uma noite como uma outra qualquer, onde fiz o que de antemão senti uma certa-não-necessidade. Ainda assim, executei. Por isso estou aqui: para metabolizar ou me convencer de que mereço dormir.
Pra dizer a verdade, hoje acordei querendo escrever pra você, ou sobre você. Verdade é que nunca sei o que realmente acontece quando você invade o hoje, sem se conformar com um ontem.
Como essas coisas que passam, ficam, voltam, nos desconfortam e nos jogam pra cima sem fornecer um chão para onde voltarmos. Um presente com reminiscências de passado. Como uma torneira mal fechada que eternamente insistirá em pingar.
Hoje enquanto ia trabalhar me deparei com um menino cego na esquina de casa. Passei.
Passei como centenas de histórias passaram ao lado dele, sem sequer repararem um no outro.
Na pressa-que-sempre-me-rege-os-dias passei, afinal de contas, um cego é uma pessoa como outra qualquer, com limitações a serem superadas. Ou tentei. Algo de mim enroscou naqueles olhos brancos.
Ignorei, segui rumo ao meu futuro com uma convicção que não durou meia quadra. Parei.
Como um menino cego estaria se sentindo ali, naquela esquina, com milhões de carros acelerando e freando ao seu redor, pessoas de passagem rumo a destinos quaisquer?
Parado ali, diante do cruzamento, aquele menino parecia tão vulnerável que seria minha obrigação lhe dar um braço a atravessar a rua. Me senti forte, necessário.
Mas ao reunir forças para dar um primeiro passo de retorno, me senti tão vulnerável quanto me sinto agora, com este cheiro de cigarro que entra pela janela do meu quarto. Não sei de qual apartamento vem, mas sei o quanto estou à deriva de meus pensamentos, embebido nestes resquícios de fumaça.
Direciono meus pensamentos e volto a tomar as rédeas do tempo. Como brincamos no Facebook, de nos bloquearmos numa eterna massagem egocêntrica, onde mostramos a nós mesmos quem manda em nossos relacionamentos. Convencidos de que decidimos como as coisas acontecem. Fora dali, frágeis.
Finalmente volto. Primeiro, segundo passo e, como recebesse um aval divino, o menino desanda-a-andar. Corre como quem sabe o que faz. Atravessa a rua e rouba os pilares do meu instante.
Não vi para onde foi, muito menos onde fiquei.
Milhões de carros acelerando e freando ao meu redor, pessoas de passagem rumo a destinos quaisquer. Me encolhi.
Segundos depois, segui meus passos. Os olhos brancos se foram. Ninguém percebeu o quando eu precisava de um braço a me auxiliar.
O dia seguiu, como todos sempre seguem, nós é que paramos. Assim como a fumaça do cigarro, que sequer sombra chega a fazer na penumbra-do-meu-quarto.