por Teresa
Pensei que se eu tivesse um carro, ou ao menos soubesse dirigir, te ligaria agora e diria: amanhã, às 8h, passo te pegar. Decrete feriado, deixa tudo isso pra lá, vem respirar ao ar livre. E não me pergunta pra onde vamos, mas pode escolher o CD. Põe tua Bethânia, combina com a chuva. Ou quem sabe me surpreende e escolhe uma dessas bandinhas que embalaram tuas noites de inconsequência por lá. Nem te imagino inconsequente, pra dizer a verdade. Mas devia ser bonita, devia mesmo. Ainda tem um pouco daquele lugar em você, consigo reparar vez ou outra. E no caminho você me falaria do teu pai, da saudade da mãe e da criança que te amolece, te faz menos osso e mais verdade. A criança é a imagem do que mora em você, eu te diria. E você acenderia um cigarro, dizendo “é…”, e a cabeça indo pra longe e eu ainda flutuando nas dimensões desse carinho imaginado, ausente, mas ainda assim sentido, torcendo pra que um dia me atinja, me arrebate sem tempo pra acabar. Divagaríamos sobre a forma de algumas árvores e as caixas de fósforo do caminho colecionaríamos. Os micro-universos mais micros que o teu, as representações em miniatura do teu espaço pequeno e ao mesmo tempo tão expandido pra outras dimensões. E talvez você tivesse um bloquinho e nele fosse desenhando corpos mergulhando, sempre sem a cabeça. A dança sem ritmo, a ausência de uma harmonia, só os movimentos. E eu achando tudo muito bonito, te falaria de uma ideia idiota que ainda não tive coragem de compartilhar e você diria que “quem dá ao mundo, recebe em troca”. E eu saberia que a partir daí poderia criar o que fosse, perderia o medo de errar, o medo da incompreensão. E nisso o gesto sempre relutante de ceder as mãos se faria necessário. Um esforço tremendo que se justificaria assim que o consumássemos. Era preciso, sente?
Mas não tenho um carro e tampouco sei dirigir. Não tenho CD’s da Bethânia também. E você, com toda certeza, jamais toparia uma bobagem dessas.
Algumas expressões puxam cordas imediatamente. “Devia ser bonita” me lembra Caio Fernadno.