Wouldn’t it be Nice 1 821

por Teresa

Pensei que se eu tivesse um carro, ou ao menos soubesse dirigir, te ligaria agora e diria: amanhã, às 8h, passo te pegar. Decrete feriado, deixa tudo isso pra lá, vem respirar ao ar livre. E não me pergunta pra onde vamos, mas pode escolher o CD. Põe tua Bethânia, combina com a chuva. Ou quem sabe me surpreende e escolhe uma dessas bandinhas que embalaram tuas noites de inconsequência por lá. Nem te imagino inconsequente, pra dizer a verdade. Mas devia ser bonita, devia mesmo. Ainda tem um pouco daquele lugar em você, consigo reparar vez ou outra. E no caminho você me falaria do teu pai, da saudade da mãe e da criança que te amolece, te faz menos osso e mais verdade. A criança é a imagem do que mora em você, eu te diria. E você acenderia um cigarro, dizendo “é…”, e a cabeça indo pra longe e eu ainda flutuando nas dimensões desse carinho imaginado, ausente, mas ainda assim sentido, torcendo pra que um dia me atinja, me arrebate sem tempo pra acabar. Divagaríamos sobre a forma de algumas árvores e as caixas de fósforo do caminho colecionaríamos. Os micro-universos mais micros que o teu, as representações em miniatura do teu espaço pequeno e ao mesmo tempo tão expandido pra outras dimensões. E talvez você tivesse um bloquinho e nele fosse desenhando corpos mergulhando, sempre sem a cabeça. A dança sem ritmo, a ausência de uma harmonia, só os movimentos. E eu achando tudo muito bonito, te falaria de uma ideia idiota que ainda não tive coragem de compartilhar e você diria que “quem dá ao mundo, recebe em troca”. E eu saberia que a partir daí poderia criar o que fosse, perderia o medo de errar, o medo da incompreensão. E nisso o gesto sempre relutante de ceder as mãos se faria necessário. Um esforço tremendo que se justificaria assim que o consumássemos. Era preciso, sente?

Mas não tenho um carro e tampouco sei dirigir. Não tenho CD’s da Bethânia também. E você, com toda certeza, jamais toparia uma bobagem dessas.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski