
Hoje perdi meu celular e fiquei puto como sempre fico ao perder as coisas. Foi assim com a carteira preta, com o crachá da empresa e deve ser assim com tudo o que eu perder, de horários a possíveis eternos amores.
Estive puto até perceber que o que foi embora com meu aparelho, nem tão novo, sequer conservado, foi o histórico das nossas conversas. Todas elas. A partir daí, não teria forças para raiva alguma. Foi como um novo pedaço de mim desaparecesse.
Nossas mensagens de texto. Dos simples e infinitos “bom dia” às descobertas, quando conseguíamos formar nossos nomes entre as letras de livros do dia a dia.
Procurava te surpreender a cada resposta, em todos os momentos. Falávamos como poesia. Tudo escrito com as mais belas palavras. Era como ali houvesse o melhor do mundo. Um mundo todo nosso.
Inventávamos palavras pra denominar o que sequer conhecíamos, como “menemar” que era a nossa vontade de almoçar e em seguida ter a tarde inteira só pra gente (geralmente às terças).
O tempo passava, as palavras caíam em desuso ou ganhavam novos significados, como “giralo”, que você inventou pra denominar a parte do meu corpo entre a costela e o quadril, um pouco nas costas (a medicina deve ter um nome pra isso, mas quem se importa?).
Tempos depois, o lugar foi nomeado “parte sem nome definido” e giralo se transformou na surpresa que eu fazia em te buscar na universidade, no meio da tarde, fugindo do trabalho. Era sempre a maior alegria do mundo mandar mensagem para o seu celular dizendo que eu estava por ali, e você ansiosa a me procurar pelo estacionamento.
Lembro que a última mensagem que mandei a você era mais ou menos assim: “sonhei que eras um pequeno e alaranjado dinossauro que mordia o próprio rabo num cenário com uma árvore isolada e alguns cactos, tipo hanna-barbera.”
Você perguntou como eu sabia que era realmente você e eu disse ser sempre fácil reconhecer, independentemente da metáfora que lhe travestisse. Meu coração dispara, vem à boca.
Agora, sem estes registros, resta a mim confiar na memória. A mesma que carrega o frescor da primeira vez em que a vi, perdida nos corredores da mesma universidade de sempre. Nossos olhares cruzaram e se detiveram pelo tempo necessário para um suspiro que repito nesse exato momento em que a transformo nestas linhas-tão-nossas.
Era novembro. Era a noite da minha banca de avaliação. Eu acabava de mandar aquele curso às favas e me deparava com o que seria a pura glória em meus próximos anos.
Juntos conhecemos o mundo. Inventamos a realidade em nosso quarto. Deitados na cama com as pernas para cima, esticando as cobertas, construímos castelos. Regíamos nosso próprio tempo.
Nada
passou
tudo
existe.
Aqui.
Editamos memórias às nossas maneiras.
Sei que nem tudo é realidade, mas tenho a certeza de que nem sempre precisamos das coisas como elas realmente foram, pois temos sempre a melhor-versão-que-nos-convém. E elas nos bastam, nos convencem.
Sem nosso backup, o que me resta é a esmagadora saudade de você, que me acorda e coloca para dormir em todos esses meus-dias-só. Além da tulipa vermelha que conservo em um copo d’água na janela do quarto, trocando-a toda terça-feira, como não morresse nunca. Assim como as lembranças, que restauram constantemente todas as partes que se foram de mim desde que você partiu.
Rafael