
Texto e ilustração: Caroline Rehbein
—
Entre choros e soluços, Maria se rendeu ao sono. Passou a madrugada entre um pesadelo e outro. Pela manhã, acordou de cara inchada. Foi ensinada quando criança que “após uma noite de choro, a alegria viria pela manhã”, entretanto, esse pensamento parecia não surtir efeito algum e contrariando a máxima, Maria não sorriu, sua expressão não esboçava linha alguma de felicidade. Encarava-se no espelho a procura de si mesma.
Não era mais menina. O tempo cruelmente a lembrava de seus fracassos. Até os 16 anos não faltou em um culto da igreja, sentia-se fervorosa, sentia-se parte de toda aquela liturgia. Seu coração era de Jesus. E cresceu cercada dessa inocência, acreditando que havia verdade nessa doutrina. Maria estava completamente convencida que preferia o céu a ser feliz no inferno. Então conheceu Edmundo, foi paixão à primeira vista.
Quando Maria parou para pensar onde tudo aquilo daria, já havia se entregado de corpo e alma a Edmundo. É claro que a atitude foi impensada e precipitada, ninguém conhece alguém em um mês. Edmundo se revelou o capeta. Agora já era tarde, Maria estava grávida e seus pais a estavam expulsando de casa.
Edmundo bebia, fumava e com o tempo, Maria foi descobrindo que ele usava outras drogas. No começo conversou, pediu, clamou que Edmundo abandonasse esses comportamentos, ela estava convencida de que o amava e não entendia porque ele se mostrava tão contrário. Não soube apelar de forma eficaz, pois tudo que conseguiu foram as inflexíveis palavras de Edmundo: “eu não vou mudar”.
Não existe palavras para descrever o tamanho da decepção que Maria sentiu. A amargura e a decepção foram tão venenosas a sua mente que sentiu-se só e desesperada, como poderia ter sido tão imatura? Como poderia ter feito isso consigo mesma?
“Onde estava Deus que não a impediu de fazer aquilo?” Quando fez a Edmundo essas perguntas, ele riu de sua cara e perguntou: “Que Deus? Você acredita mesmo nesse papo de Idade de média? O mundo evoluiu”, dizia ele. Maria queria pegar suas coisas e ir embora…mas pra onde iria? Sentiu medo.
O tempo foi passando e Edmundo era irreversível. Maria preferiu mudar. Preferiu ser feliz no inferno porque a ilusão do paraíso parecia cada vez mais distante. Começou a beber, fumar…depois foi para as drogas mais pesadas… Preferia sentir alguma coisa. O mundo era vazio demais sem suas doces ilusões. Brigou com Deus alegando que a ignorância era a única bondade nesse mundo.
A cada semana que se passava, Maria estava mais afundada em frustrações e vícios. Perdeu aquele bebê e foi assim toda vez que engravidou. A cada aborto, sentia-se mais e mais distante de si mesma. A base de lágrimas desfez cada princípio de sua vida. De uma realidade baseada em princípios os desconstruiu um a um.
Alguém precisava mudar. Perder mais um bebê afastou para longe a última parte da ilusão que agora parecia ter ludibriado a vida toda. Começou enfim a achar que o problema não era Edmundo e sim toda aquela ladainha ao qual foi ensinada a viver. Ninguém, nem ela conseguiria ser perfeita.
“Ensina a criança no caminho que deve andar e quando for velho não se desviará dele”. Deve ser isso, pensou ela. Talvez eu só não seja velha o bastante. Porque pensar diferente disso seria ficar entre a loucura e o sentimento de vazio completo. Viu que não conseguiria ter Jesus e Edmundo ao mesmo tempo, não sabia se amava os dois ou a nenhum. Achava que amava. Acreditava que logo morreria. Guardava consigo o desejo pelo paraíso, porque o inferno foi sua vida, a cada dia de submissão.