As Nuvens, Os Artifícios, As Metáforas 4 639

Postado por Marco Antonio

Elas dançaram durante as noites no céu. Em todas as noites, e todas elas. Solitárias, conforme anunciado nas entrelinhas do texto das estrelas.

Inconscientes da existência uma da outra, disseram-me em pesadelo. Não elas, mas alguém. Que elas não falam. Sequer pensam com tanto zelo.
Negligentes. Ou desapercebidas. Sinteticamente? Negligentes fingindo desatenção. Como ela sempre é. Como elas sempre são.

Eu imóvel, por vivenciar por menos de oito horas a experiência do mundo intangível. Nunca durmo por oito horas.
E nem, quando acordo, em outras horas. (Mas seria incrível).

Vai chover. Não vou acordar pra saber com certeza o quanto. E nem explico o como de saber do que sei.

É algo que simplesmente sente-se no ar. Nuvens carregadas.
Elas, paradas, me observam. O movimento retroativo. Forma-se um ciclo.
Eu as observo, elas me observam. As tensões se guiam a si próprias e se conservam. Um mexican standoff, mas estou de olhos fechados.
Meramente estranho o encaramento,
e por ter perdido tanto tempo com tal inutilidade,
me cubro com o manto do esquecimento.

Sumir era mais rápido e barato, mas estava em falta quando antes procurei.
Elas me observam e conversam entre si. Cheias de denúncias. Mas, lá vai o tempo! Maior que todos! Meu rei! E seu, que eu sei!

Enquanto elas são nuvens, eu sou trovão. E elas há muito me conhecem, e sequer sei eu quem são.

Só pode ser esta a vantagem que elas guardam por viver em outro plano de existência. Um plano superior.
E eu de olhos fechados até, no quarto, gritar o despertador. Que me avisa:

– Não, querido. O dia não vai ser bonito. A não ser que você roube dele a beleza escondida por trás de cada nuvem que chove ou não chove, de cada raio de sol, de cada flor nascendo em meio ao cimento.
A cada passo, cada respirada, cada aperto de mão, cada final ruim de texto. A cada tom piegas de despedida que você procurar ou perceber. Você é um imbecil.
Um saco velho de lixo. Um cachorro perdido. Um filho da puta. Ninguém vai se surpreender se você tentar roubar a alegria das coisas. Eu juro. Vai lá!

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4 Comments

  1. Cara, achei muito legal o fato de que o texto vai acumulando tensão e termina como um trovão…

    Além daquela estrofe genial que já te disse qual é.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski