Diferenças entre o real e o forjado 1 692

postado por Rafaé.

Era a oitava, talvez décima quinta vez que ia ao parque naquele horário. Sempre assim, de maneira despretensiosa, caminhando sob a luz dourada do fim de tarde outonal. Sabia bem onde ela morava, mas sua vontade era de recriar o primeiro encontro, onde os dois caminhavam sem pressa, nem destino. Sempre gostou de forjar realidades formidáveis.

Adolfo, em seu ócio, construíra toda abordagem (inesperada), diálogo, até o café com creme, durante o qual ele a convidaria para conhecer a sua casa (dele ou dela, tanto faz). Já em casa, declararia toda sua intenção com aquele acaso que os conduzira até ali.

Enfim a luz dourada deu espaço à penumbra, que engolia Adolfo a cada momento. Ainda assim, ele dava mais um tempo, para que a musa tivesse uma chance para o reencontro. Afinal de contas, todo mundo já se atrasou. E ali ficou, até o orvalho criar as primeiras gotas sobre a grama. Desistiu, se sentiu iludido e levantou-se pra ir embora.

Eis que o inesperado aconteceu. Foi tomado de assalto por uma bela jovem que vinha, correndo e jogou-se em seus braços, soluçando. Não, não era sua admirada. Era uma jovem qualquer, que antes que conseguisse falar algo, foi atingida por quatro tiros, disparados por um marido que se dizia traído.

Adolfo não teve tempo de questionar. Talvez, nem tempo para que seu coração disparasse. Apenas ouviu as palavras: “não se meta com esse tipo de piranha!”. E foi só. Não chegou a ouvir o disparo que encaminhou uma única bala ao seu rosto, que permaneceu pasmo sob o mesmo orvalho que embelezava as plantas.

E ali permaneceram os dois. Abraçados, numa bela cena vermelha, digna de uma bela fotografia com os amantes abraçados, rolando pelo chão do amor – exceto pela gélida falta de movimento.

Enfim uma realidade não forjada na vida de Adolfo… ainda que derradeira.

A jovem amada, a qual não fiquei sabendo se existe ou não, nunca mais passou por ali. Talvez tenha ficado amedrontada com uma história assim, tão próxima. Duvido!

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski