postado por Rafaé
Nada daquilo faz sentido. Estes últimos meses não existiram. Quero voltar a viver.
O silêncio que se seguiu foi inevitável. Assim como foi violenta a profundidade com que o olhar de Alice invadiu o de Bento, antes mesmo que ele terminasse de falar. Meses se passaram naqueles segundos. Quilômetros foram rodados dentro daquele meio metro que os separava.
Encharcaria minha vida com todo suor necessário pra chegar até você, Alice.
Mais silêncio. A imensidão silenciosa engolia todos aqueles meses em que Bento se torturou pela liberdade do seu amor – Alice.
Alice livre, sorridente – distante, ausente.
Marteladas diárias por não saber onde estava sendo depositado o carinho que um dia o protegeu e motivou seus sorrisos. As dores de não receber notícias de quem se quer. Deus sabe o quanto pedi pra que lhe livrasse desta corrosiva sensação.
Diariamente Bento se banhava, se vestia e se perfumava pensando na melhor combinação para um possível encontro com Alice, ao acaso. E assim se lançava às ruas, sem um rumo estabelecido.
Sorriso colado na cara, tão caro aos solitários.
Mas na madrugada de hoje, a combinação não o satisfez. A submissão de sua felicidade ao acaso o irritou. E como pensou em fazer várias vezes, pegou sua bicicleta e pedalou, por toda a linha que os unia, com curvas, retas, subidas e descidas iluminadas pelas luzes amareladas dos postes.
Não sentiu cansaço ou dúvida. O foco era certo. Há tempos não fazia o trajeto, mas a sensação era presente e forte o suficiente pra esquecer o tempo que passou sem senti-la. Logo estava lá, diante do portão de Alice. Todas as luzes apagadas.
De uma hora para outra, sua roupa se encharcou com o suor gelado. Talvez pelo cansaço. Talvez pelo nervosismo. Mas o corpo de Bento escorria suor e suas pernas pareciam amortecidas.
Não hesitou. Campainha tocada, era só esperar por Alice.
Nada daquilo faz sentido. Estes últimos meses não existiram…
Após um silêncio frio de mais de um minuto, Bento sentia o momento gelar, desmanchar sob o sereno que molhava ainda mais as suas roupas… E aos poucos seu olhar foi desviando daquele embate de subjetividades.
Eis que Alice dispara sua única frase na noite.
Estes meses existiram e foram vividos.
Como se reativado, o espaço-tempo voltou a funcionar. O tempo escorria. O meio metro voltou a ser quilômetros…
Talvez estes olhares jamais se penetrem como em outros tempos. Talvez nunca mais se cruzem. Mas Bento continuará a pedalar atrás, rezando por uma possível felicidade.
E mesmo sem cantar direito, voltou pra casa tentando relembrar a música…
“O seu amor
Ame-o e deixe-o
Livre para amar
Ame-o e deixe-o
Ir aonde quiser
Ame-o e deixe-o brincar
Ame-o e deixe-o correr
Ame-o e deixe-o cansar
Ame-o e deixe-o dormir em paz
Ame-o e deixe-o
Ser o que ele é” ***
Obviamente chegou em casa encharcado de suor, sereno e lágrimas. Despiu-se, entrou no banheiro e, diante do espelho, colou um sorriso na cara, tão caro aos solitários.
***Trecho da música O seu amor, do Doces Bárbaros.
esses meses, né. chatos.
Tá bonito isso!
bonito, muito bonito.
Esses Manolo estão brincado de ser GÊNIOS!