por Rafael
Desta vez, a falta de sono era devido à aflição causada pelo forte vento que fazia sua casa assobiar madrugada a dentro, somada à angústia de nada poder fazer para retomar o caminho ao lado do coração de Mariana.
Era muito mais pela angústia do que pela aflição, mas aqui eu conto a versão mais próxima da sinceridade que algum dia Ventura chegaria ao se confessar a alguém.
Era noite, era frio, era silêncio. O único barulho que se ouvia além dos assobios da casa e das poucas folhas que ainda não haviam cedido ao outono chacoalharem na árvore do quintal, e dos cachorros, que sempre latirão, sempre haverá um cachorro latindo no meio da noite, era o da caneta desesperada com que Ventura imprimia suas angústias no papel.
Na verdade, pensando bem, havia sim bastante barulho. Mas como era noite, era silêncio.
Jamais soube que árvore era aquela, mas quem se importa? Árvores só deixam de ser coadjuvantes quando caem em cima de alguém. Acho que era uma macieira, mas uma macieira que jamais deu frutos. Tão estéril quanto as noites de Ventura sem Mariana.
Ventura passava noites assim, escrevendo a ela, mais pela necessidade de escrever, que por acreditar que algum dia aquelas palavras chegariam até Mariana. Ele tinha plena noção de que agora cada um existia em espaços e tempos próprios. Podia ser que a vida acostumasse, e assim foi.
Na verdade, Mariana e Ventura jamais estiveram juntos. Mas já estiveram próximos, muito próximos. Numa proximidade daquelas em que a felicidade e o amor latentes explodiriam a qualquer momento e o universo inteiro teria de se reconfigurar para coexistir com o novo, o eterno.
Mas Ventura sabia, mais por desilusão que por experiência, que aquela felicidade haveria também de se tornar um passado, tal e qual seus amores, com exceção dos que inventou. E, desta vez, a felicidade existiu, tão sincera e ingênua quanto uma criança com a cara lambuzada de sorvete.
Outra vez o presente foi mais breve do que parecia ser, o passado cresceu e o futuro permanecia inalcançável. Ventura sabia, tinha a certeza de que nada nessa vida era mais difícil que o amor.
Sufocados por suas individualidades insubordináveis, Mariana e Ventura se viram saindo da estrada em que finalmente não teriam fim. Sempre foram seduzidos pelos campos ao largo das estradas, virgens, sem um caminho pré-estabelecido para trilhar.
Sem perceberem e, em seguida, sem resistirem, foram, cada um pelos seus próprios campos. A partir de então cada um viveu à sua própria maneira o mesmo amor. Sabiam, tinham a certeza de que seus corações teimariam em bater até o último instante.
Desde então, Ventura escreve todas as noites. Todas as noites leva seu coração para encontrar Mariana, através de palavras escritas com a devoção de quem possui um coração que consegue transmitir sentimentos à ponta de cada dedo.
Ventura jamais soube que Mariana não retornará, pois os campos, assim como as estradas, também podem ter um fim.
Sabe onde encontra-la sempre. É a partir de suas memórias ao lado dela que consegue compreender como se tornou o que é. É a partir das sensações que Mariana ainda lhe proporciona o que escreve todas as noites, e é por isso que jamais aprendeu a escrever sem pensar nela.