
Maria Aparecida. Maria Aparecida do Carmo Biscoito, disse seu pai orgulhoso ao segurar o bebê ainda banhado em sangue e dores, mas nem por isso lhe parecendo ser menos do que o bebê mais bonito do mundo. A mãe gostou do nome, e a parteira não teria coragem para contar seu presságio, que ademais, poderia ser só um desses pensamentos que se invertem com o vento e essa não era a hora pra falar de bobagens, mas ninguém se preocupou em perguntar àquela nova alma viva se o nome lhe cabia, se estaria satisfeita ou gostaria de trocar, como quem vai ao armazém reclamar dos ovos que chegaram podres, e o senhorio responderia “é claro, freguês. mil perdões. leve mais dois por minha conta, pra reparar o incômodo”, e tudo ficaria certo. A ninguém ocorreu de perguntar a Maria Aparecida se esse era o nome que queria, ou se já havia pensado em uma opção melhor do que uma homenagem à atriz da radionovela, lá ainda dentro da barriga de sua mãe onde tudo era feito de amor e líquidos e de onde era arrancada contra a sua vontade numa tarde de calor excessivo até para quem já vivia do lado de fora há tempos.
Maria Aparecida não gostava de ser uma homenagem, não gostava da ideia de “aparecer” cada vez que falasse seu nome, não gostava de ter sobrenome de comida, não gostava desse calor todo, não gostava de chegar ao mundo com tantas decisões já tomadas por ela, e por isso chorou. Chorou por anos sem parar com toda a intensidade de seus pulmões, que ganhavam mais força à medida que cresciam. O caso ficou famoso na cidade e Maria Aparecida gostou menos ainda de ter virado um caso, um algo ao invés de um alguém. Por muitos anos seus pais tentaram soluções que vinham de todos os lados, e gastaram pequenas fortunas em busca dos médicos da capital, que haveriam de ser mais espertos que os do interior, e acabar com a aflição que corroía seus ouvidos já há quase uma década.
Foi em uma das idas à cidade que Maria Aparecida viu Ayrton pela primeira vez, enquanto saía do consultório daquele médico velhinho, e gostou. Gostou tanto que não sentiu mais o choro subir garganta acima e jorrar pelos olhos embaçados. Limpou a vista desacreditando no que sentia, mas o calor continuou a subir por todo seu corpo. Gostava do que via, e de repente não lembrava mais de chorar.
Os pais chamavam os amigos e comemoravam a vitória frente ao jugo de lágrimas, mas Maria Aparecida precisava desesperadamente encontrar um jeito de voltar à cidade em busca de seu já eterno amor. Tentou chorar, mas não conseguiu. Era como se já tivesse usado o estoque de lamentações de sua vida inteira, e quem sabe até de suas próximas gerações. Decidiu, então, sorrir. Comeu um pedaço do doce que sua mãe preparava na cozinha, sorriu, e gostou.