
O sol quente fez com que Cláudia buscasse as sombras da escadaria para comer seu sanduíche enquanto esperava pelo horário marcado em frente ao prédio histórico. Os degraus de pedra e chicletes eram o mais próximo que havia chegado de entrar na universidade, e embora olhasse aquele monumento sem muita emoção, adentrou as portas de ferro enquanto separava o alface de seu lanche idiota de dieta.
Quando veio para a capital, após a partida de sua mãe (que Deus a tenha), Cláudia podia enxergar como sua rotina seria agitada com eventos, jantares, festas, e conversas embriagadas de sorrisos. Tão diferente da vida que deixava para trás junto com a solidão do interior. Três anos depois, ainda sem amigos ou planos para o final de semana, parecia ter pouco a perder quando ligou para o anúncio do cartaz. Seria modelo. Os R$ 80 do cachê comprariam um vestido de sair. Preto, elegante e confortável. O único GG da loja. Ainda não tinha tomado coragem de prová-lo, mas não havia um dia em que não parasse em frente à vitrine para olhar aquela peça e imaginar como ele mudaria sua vida. Sua insegurança seria arrancada com o preço da etiqueta logo no primeiro uso, e estaria pronta para conhecer a cidade que tremia aos pés de seu quarto no centro. Em suas miragens estava sempre sentada em um banco de bar, com dois ou três rapazes e mais algumas moças. Todos desconhecidos, mas muito simpáticos. Sorrisos largos e toques frequentes. Ela toma mais um gole do drinque enquanto olha para uma das novas amigas que lhe dá o sinal: ele gostou de você. Ela ameaça ir embora, mas ninguém deixa. Vamos para uma festa na casa da Aninha, um deles convida. “Por que não?”, dizem, certos da ausência de uma resposta convincente. E ela aceita, porque não tem pressa para voltar para casa e a noite de estréia do vestido não precisa acabar cedo. O grupo a deixa à vontade consigo mesma, e ela consegue se sentir divertida. Viver não é mais um fardo. Ela finalmente faz parte daquilo, ainda que esteja apenas olhando para a vitrine de uma loja popular.
Agora nua, imóvel e rodeada há 1 hora por estudantes que alternavam os olhares entre seu corpo e os cavaletes com tela. O cheiro de óleo inunda a sala. Que porcaria de ideia foi essa, Cláudia? Você não nasceu pra ser modelo, e o vestido nem era tão bonito assim. Vou sair correndo, eu preciso fugir daqui. Pensa, pensa! As mãos apertam agoniadas o banco de madeira em que está sentada, até que uma voz interrompe sua urgência. “Pronto, pessoal? Finalizem e tragam para mim. Cláudia, pode ir se vestir”. Ouvir um professor falar nunca lhe trouxe tanta felicidade. Antes que possa respirar, pula do banco e corre para o espaço onde estavam suas roupas.
É preciso passar pelos alunos mais uma vez para chegar à porta e nunca mais voltar. São poucos passos, dá pra ir rápido o suficiente para que não me vejam muito. Claudia sai em disparada sem olhar para os lados, até que é interrompida pela mesma voz que a chama mais uma vez. Olha rapidamente, sem a intenção de parar, mas não é possível. Lá estão todos os alunos, enfileirados lado a lado com seus quadros à espera de sua nova modelo. Ela para, atordoada, e eles aplaudem. Como de costume, dedicam o primeiro quadro a ela, como forma de agradecimento pelo tempo e coragem. Ela não entende, mas se aproxima. Os olhos tremem. Há o medo do que os detalhes vão mostrar sobre seu próprio corpo, ressaltando aquilo que lutava tanto para esconder, mas ainda admirada com a visão de cada um sobre si mesma. As luzes, as cores e as formas. O cuidado. Tanto cuidado! Todas as suas marcas estavam ali, iluminadas pelo dom de alguém que via nela mais do que ela era. Ninguém nunca havia olhado para ela daquele jeito. É tudo tão bonito, tão brutal. Não sabia que poderia se sentir bonita. Não sabia que eu poderia ser uma obra de arte.
Foto: HelenBushe