
Beijar meninas foi o segredo do ensino médio. Ficar com as amigas era uma opção discreta quando se queria uns amassos sem cair na falácia masculina. Mas os tempos de faculdade eram diferentes, ter relacionamentos com o sexo oposto não a deixava mais envergonhada, ruborizada, calada. Conseguia não só conversar, como também descobriu o poder que os olhos têm em deixar transparecer o desejo, a carência e as vontades.
“Ele beijava como uma menina”, pensou ela. Mexia seus lábios com falta de pressa, fazendo com que a sensação macia do seu beijo fosse maior. A situação exigia rapidez, mas o ato era vagaroso.
Viu o desejo estampado no negro dos olhos verdes de Tadeu e estremeceu. Ela continuou encarando, ingenuamente vidrada naqueles olhos que cada vez se aproximavam mais. Agora eram colegas de estágio e o encontro na escadaria de emergência do prédio coincidiu naquele beijo. Se fossem pegos, seria constrangedor. O estágio exigia uma postura profissional, mas aquele momento nas escadas os fizera esquecer disso. A partir daí, faziam tudo juntos.
Amava tudo nele, o cabelo cacheado, seu gosto artístico, seus assuntos, seu gosto musical, seus livros, suas ideias, sua rotina, seus planos, seus princípios, sua rebeldia, sua indecisão, sua melancolia. Jogou-se de cabeça. Quatro anos depois estavam morando juntos. E moraram juntos por mais três anos quando as brigas começaram. Com o tempo os assuntos pareciam ser sempre os mesmos, os planos sempre mudavam, seu gosto artístico resumia-se a vida boêmia, e seu cabelo cacheado? Ele havia vendido para investir em mais uma ideia sem sucesso. As brigas eram sempre sobre ela estar fazendo demais a ponto de querer desistir, contra o argumento que ele precisava de mais espaço.
Diferente das outras noites, naquela, os travesseiros eram novos. A casa parecia vazia demais. Já era julho, o que significava que ela já não o via há seis meses. O limite entre sentir saudade e a loucura já havia sido ultrapassado. Naqueles seis últimos meses ouviu todas as músicas que ele havia lhe mostrado, releu todos os livros que ele lhe havia indicado, revisitou os lugares que eles haviam passado, então se deu conta de cada canto da cidade a lembrava dele.
Trocou os travesseiros porque sonhou tantas vezes com ele nos últimos meses que talvez a troca de travesseiros embalasse novos sonhos. Colocava toda a culpa da separação, nos sete anos de convivência e no fato dele ser libriano. Tinha dúvidas se em algum momento ele realmente a tinha amado. Às vezes, tarde da noite, já muito alcoolizada, fumava e tinha a sensação que ele a amava e que toda vez que fizesse isso, teria a sensação de ter ele por perto. Isso foi seu escape nos três primeiros meses, nos outros três enjoou de tudo isso na intenção se enjoar dele também, inutilmente. Na manhã seguinte, encarou o envelope que havia chegado pelo correio. Ele queria o divórcio, ela recordava-se do encontro nas escadarias.
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Texto e imagem: Caroline Rehbein