
BigMoney parecia sempre estar com os olhos derretendo. Ele era um autêntico anjo negro. Um poser, como todos nós. Tinha uma beleza que eu não compreendia, apenas apreciava. Alto, costas largas e rosto determinado. Contudo, havia algo de estranho nos olhos dele: às vezes concentrados, às vezes sonolentos, às vezes tão brilhantes quanto a lava de um vulcão ardendo em corredeiras rumo ao mar. Ele adorava nadar em águas salgadas. Seus olhos, como eu disse, tocavam as superfícies e as incendiavam, era seu modo particular de compreender o mundo.
Sentamos em uma das mesas dos bares que ficam perto dos arcos da Lapa. Na mesa, enquanto a mulher de BigMoney conversava com a minha, nós dois permanecemos em silêncio por alguns instantes, observando a multidão na calçada, a noite ficando cada vez mais plena, os ônibus passando e nesse instante a cena que acompanhávamos lado a lado começou a se desintegrar. A visão ficou confusa. Quando olhei para minha mão esquerda, ela parecia um grande pedaço de manteiga dentro da uma frigideira quente.
A sensação de derretimento durou alguns segundos e logo fui atingido por um calafrio que correu espinha acima como um jato. Levantei e sentei novamente na cadeira e o movimento foi como um clique que trouxe os sentidos de volta. BigMoney também parecia estar bem. Ele ria e perguntava se eu tinha visto aquilo. “Aquilo o quê?”, eu disse. “O mundo cara, o mundo se dissolvendo”, e soltou uma gargalhada.
Ele estava no Brasil para conhecer os principais núcleos de “imigração” africana da era colonial. A viagem fazia parte de seu programa de estudos sociais na Universidade da Califórnia e depois de alguns dias no Rio, partiria para Salvador, onde viveria em uma comunidade estudando a cultura afro-brasileira por três meses. Faria o trajeto até lá de navio e estava bastante animado.
Na mesa de bar da Lapa, expliquei pra ele uma das versões da etimologia do nome Brasil e ele ficou extremamente interessado com o lance da madeira vermelha que parecia um braseiro. Mesmo alguns dias depois voltou a comentar comigo como essa conclusão havia feito ele repensar alguns significados. “Estamos sentados nessa brasa sem fim, nessa brasa que nunca se apaga, acho que eu amo esse lugar”.
Foi a primeira vez que eu vi Xanax na vida. Eu nem sabia o que era. BigMoney me deu um comprimido dentro do ônibus, instantes antes de a gente chegar na Lapa naquela noite em que o cenário se dissolveu. Sentamos um ao lado do outro para ver a rota no GPS na tela do celular dele, então me deu. Minutos depois, caminhamos feito lava pelas ruas de pedra da velha capital.
Seguimos para outro bareco onde havia mesas de sinuca. Jogamos algumas partidas enquanto as meninas comandavam a Jukebox e conversavam animadas sobre música. Mais tarde pegamos um ônibus e voltamos pro hostel. Poucos dias depois nos despedimos.
Seis meses se passaram e na época do Natal vi uma postagem da mulher de BigMoney dizendo que ele havia morrido. Uma mina dirigindo seu New Beetle tinha atropelado ele, que estava em cima de uma daquelas motos Spider, atravessando um cruzamento perto de Venice Beach. Não acreditei, fiquei em choque e chorei sim, chorei por alguns minutos e enquanto enxugava as lágrimas lembrei de como BigMoney era jovem. Ele era uns quatro anos mais novo que eu, inacreditável, inacreditável…
“Deixo você assistir minha dor se você prometer que vai me dopar depois”, já dizia o Lil Peep. Outro que morreu jovem, locão com seis Xanax, mais Fentanyl. Não sei muito bem. Sei que a dor uma hora acaba, talvez ele esteja feliz agora, com a boca aberta, olhando pro céu com os olhos fechados.
Morte em trânsito. BigMoney caiu da motocicleta, eu também caí uma ou duas vezes. Não posso dizer que foi por querer. O que você quer que eu diga? Quer que eu assuma? Fica tranquilo porque nem eu me conheço direito.
Lamentei pelos meus amigos dopeboycrybaby que se foram. Derretidos como lava ardente antes que isso tudo aqui se desintegre de vez. Um tombo mortal antes que o mundo acabe. Atropelado. Sem dor, sem grito de misericórdia.
BigMoney, morto aos 23. Lil Peep, morto aos 21. Eles me fazem concluir que eu já passei da hora, me fazem pensar que possivelmente eu já tenha vivido muito. Tô tentando não desperdiçar meu tempo. Todo mundo deseja só mais um minuto.
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Conto de Jadson André
Imagem da Carol Rehbein
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