
This Will Destroy You
Another Language | Cinderella 99
Há um sussurro quase inaudível, penetrando por debaixo da porta e passando pelas pequenas frestas na janela, carrega uma mensagem codificada de algum lugar distante, em um tom suavemente sedutor; estimula os olhos a enxergarem longe, principalmente se fechados. A esperança, natural aos novos fenômenos, abre um pequeno portal em minha frente: não enxergo nada além de sua profundidade, e, já é tarde demais para escolher não progredir através desse vórtice. A renúncia à paz, que se faz presente em toda nova empreitada ao desconhecido, sequestra-me e me lança em direção ao que nem sabia que procurava; decodifico o início da mensagem e a revelação é clara: estou prestes a descobrir um novo idioma.
Sou devolvido ao lugar onde comecei e não sou mais o mesmo, uma força que transmite uma paz inquieta mudou tudo de lugar, e, tanto os móveis quanto as sensações agora ocupam posições mais confortáveis. Tento me familiarizar com o novo momento, me aproximo de sentimentos que sempre me foram íntimos e os descubro restaurados, há uma nova vibração emanando em torno de mim, cada vez mais tátil; já não sei se a levo comigo ou se sou carregado por ela.
Viajo num mundo confortavelmente desabitado, me sinto pleno em minha solidão, contemplo o deserto em quase todo o horizonte; vejo apenas uma montanha, distante, que calmamente vem em minha direção. O chão vibra com ternura conforme o espaço entre nós diminui. Cordial, ela se abaixa para eu enxergar o que carrega em seu topo; atinjo seu ápice, e uma pequena interferência me leva para onde as nuvens nublam suavemente a visão. Viro para o outro lado, observo um abismo, que me contempla de volta. Desço como quem flutua, mas sei que o caminho reserva novas surpresas; sinto a pulsação do vento mudar, enchendo as nuvens de eletricidade enquanto algumas delas se acendem, gerando pequenas explosões que iluminam o caminho.
A luz que dá impressão de rarear muda de cor, assume uma dramaticidade rubra, com sombras demarcadas. Sou envolto em uma tensão que não transmite temor, necessária para a dissolução de antigos reinos. É parte da história que nos contam desde que nascemos, é objeto, mas nem por isso é obstáculo. Quando a tensão se dissolve, o chão volta a ser plano, a energia que passa a me envolver parece ter surgido de dentro para fora. Uma paz, que por mais curta que seja, traz a ideia do eterno. Para chegar mais longe, alguns passos tentam nos guiar até nossos ancestrais; somam-se a mim forças reunidas de outros tempos, calor de partículas que o cotidiano insiste em esfriar. A percepção de sua existência me convida para lugares onde se desmaterializa tudo que criei, me conforto em esquecer o que não preciso carregar.
Docemente, os sons começam a se esvair pelo quarto, e já não me preocupo mais em impedir que se escapem pelas frestas, volto para um lugar análogo de onde eu era, repleto de novas perspectivas. Me conforta a comprovação de que ainda vou me interessar por tanta coisa que desconheço. Trago a paz que as boas viagens nos reservam ao voltar para casa, com a convicção de que tudo é linguagem e nada é apenas ruído.
thiswilldestroyyou.bandcamp.com/album/another-language