Um Review 0 607

postado por Diamante Negro dos pinhais

O jovem Zia levanta da cama, arruma e limpa sua quitinete da maneira mais correta possível, rega as plantas, veste sua melhor camisa, entra no banheiro e se encara brevemente no espelho, num momento de prenúncio macabro para o espectador. Faz dois cortes no pulso direito com uma lâmina de barbear e espera pela morte ao som de “Dead And Lovely” de Tom Waits (link abaixo).

Estes são os primeiros quatro minutos de Paixão Suicida (Wristcutters – a Love Story). Estrelando Patrick Fugit (Quase Famosos, Cavaleiros do Apocalipse) e Shannyn Sossamon (Coração de Cavaleiro, Beijos & Tiros). Adaptação do diretor e roteirista Goran Dukik, baseado no livro “Kneller’s Happy Campers”, de Etgar Keret.

Zia chega ao além e se depara com uma cidade onde ninguém sorri e tudo é igual à vida anterior, “só que um pouco pior”. Trabalha na Pizzaria Kamikaze e gasta suas noites em bares conversando com os pares suicidas, bebendo e se lamuriando por causa de sua ex-namorada em vida, a bela Desiree. Até que eventualmente conhece o músico russo Eugene e sua família que está: Pai, mãe, Eugene e irmão, inteira neste mundo estranho. Ganha amigos.

Andando pelo mercado um dia, descobre que Desiree também se matou e, cansado da rotina que não leva a lugar algum, convence Eugene a acompanha-lo em viagem atrás da amada. Baseado numa espécie de “sentido aranha” do protagonista, que sente onde Desiree possa estar, perambulam pelas estradas e acatam em sua viagem a igualmente (se não mais) bela Mikal pedindo carona em um acostamento. Este é o quadro. Zia procura Desiree, Eugene não procura ninguém e Mikal procura as “Pessoas No Comando”, entidade esta que desfaria o mal entendido que a mantém neste limbo. Até que encontram Kneller (o magistral Tom Waits) e são forçados a parar em seu acampamento para consertar o carro em que viajam. E, obviamente, tudo muda e novas missões inerentes à jornada pessoal de cada personagem surgem.

Ótimo filme sobre jornadas pessoais, Paixão Suicida consegue ser engraçado sem forçar a barra e sem apelar para piadas bobas. E consegue ser sério sem usar para isto de trilha sonora deprê, ou diálogos profundos e chorosos. Bem dosada combinação entre um enredo envolvente, direção e fotografias que fogem de exibicionismos, embalados em uma produção aparentemente pequena e extremamente satisfatória de acordo com o objetivo proposto. É uma celebração bonita à vida e ao amor. Sobretudo ao amor próprio e ao “conhece-te a ti mesmo”. São as loucas jornadas da vida, suas reviravoltas, falsas e verdadeiras soluções que todos encontramos, pequenos e grandes milagres “retratados” e “comentados” por quem teoricamente não está vivo. Lembro-me brevemente do ideário por trás dos filmes e estórias de ficção científica envolvendo alienígenas ao assistir a este filme, com aquela coisa de “seres-de-fora-da-terra-falando-o-que-pensam-do-nosso-planetinha- véio”.

E eu tenho o DVD . Portanto  quem quiser, me peça, que o aluguel sai por onze reais e cinquenta centavos, apenas.

E aí a canção supracitada.

Besitos.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski