Homem Prático 10 983

Postado por Marco Antonio, o Breve

Sou viciado em cotonetes. Viajo bastante a trabalho, portanto, sempre tenho uma caixinha na minha necessaire.

É aquilo. Tão simples como pode ser. Acordo num hotel qualquer, lavo o rosto, tomo café. Deixo o melhor para depois de escovar os dentes. Bato todas as minhas metas comerciais, que nesse tempo de recessão é necessário para manter o emprego. Ainda mais importante, se analisa-se a minha área de atuação profissional, e com quais mercados trabalho. Mas a primeira vitória do meu dia consiste em limpar muito bem os meus ouvidos.

Através deste pequeno ritual sinto revigoradas todas as minhas forças para viver.

É. É isso mesmo.

Há quem afirme que o que energiza o homem médio é comer e dormir bem. Quanto aos considerados sofisticados, ouço rumores sobre algo relacionado ao poder da arte e da harmonia das coisas, combatendo o caos interno de tais nobres pessoas. Muito bem. A minha energia diária nasce quando limpo as orelhas pela primeira vez, costumeiramente próximo das sete e meia da manhã, fortalece-se às catorze e trinta, pouco depois do almoço, e quando vou dormir tenho em mim o vigor de um big bang humano correndo sozinho pela faixa de Gaza, provocando todo mundo, depois da terceira sessão de plástico e algodão.

Seis bastonetes por dia. Quarenta e dois por semana, cento e sessenta e oito por mês, dois mil e dezesseis por ano. Só para ilustrar a minha pequena paixão com alguns dos números da minha vida. Nada entendo de numerologia, mas, se entendesse, certamente identificaria estes como especiais. Já o faço sem compreender a matéria. Quanto mais não faria se soubesse algo sobre.

Meus amigos dizem que larguei os cigarros e contraí outro vício para substituí-los. Em se tratando de opiniões, tudo bem. Mas não vejo a questão dessa maneira. Seria simplório admitir enunciado tão raso como representante de conceito verdadeiro. Qual o problema em querer estar com as portas de entrada da audição prontas para aproveitar o espetáculo, geralmente musicado pelo mero existir, da vida ideal? Me responda, se há resposta relevante para a questão, por favor. E é uma questão intrigante, sem dúvida.

E, no mais, é o que disse o sábio. Se não disse, digo agora. Pode colocar essa no meu nome, se Confúcio, Aristóteles, Shakespeare ou a Bíblia nada pronunciaram a respeito. Ouvir é muito mais importante que falar. Falar é uma porcaria geralmente contraproducente, se você tem algum objetivo, enquanto que ouvir é divino. E ponto.

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10 Comments

  1. Cara, fico impressionado de ver a qualidade da literatura que você produz aqui. Tá na hora de levar isso para suportes menos ingratos, hein?
    Abraço!

    1. hahahaha… boa karkao! acho até que a gente podia começar a mandar emails pro colombo, pedindo a segunda parte!!!

      ps.: ele ainda nao respondeu.

  2. Não me sinto mais só após ler tal relato. Que bom que mais pessoas compartilham do mesmo vício que eu e não são ridicularizadas. haha

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski