Parei de questionar hierarquias para conquistá-las 0 545

postado por Rafaé, o corporativista.

Das tardes que já vivi, a de hoje foi a que não acabava nunca. Vinte e três anos esperando que algo especial aconteça em minha vida; e hoje, justamente hoje (dia de Santo Expedito), ela veio: a promoção.

Ao retornar no almoço, um bilhete sobre a folha-ponto me convocava para a sala 312. A sala da direção. A ideia de uma demissão passou como um raio. Mas caso fosse, não precisaria passar por lá antes de chispar dali.

Ao som das trombetas do som frio e ambiente, a notícia: “A partir de agora será o responsável pelo departamento”.

Sim! Chefe! O título não foi mencionado, mas eu sei. Agora sou chefe! Resolvo tudo na canetada. Os chefes somos assim.

Voltei arrumar minhas coisas. A velha violeta irá para o lixo. Comprarei alguma orquídea, ou outra planta com nome mais significante. Outro dia vi um programa de TV que falava em begônias. Deve ser chique.

Peguei as quinquilharias que não me servirão mais, enrolei como linguiça e carreguei como capacho pro lixo.

Minha sala continua a mesma. A mesa também. Mas meu crachá mudou. Agora sou Auxiliar de Serviços Gerais II. A ironia é que eu não auxilio ninguém! Esse mundo corporativo é mesmo muito engraçado. Todo o serviço aqui no almoxarifado é feito só por mim, vejam só.

Mas tudo bem. A empresa tem uma política e eu não vou mudá-la.  Afinal de contas, coisa de greve e mudanças é ideia pra funcionário. Agora é hora de mandar. Aliás, agora que tenho um telefone na mesa, “Rosa, veja uma garrafa de café aqui no almoxarifado. Me chame de Cosme, por favor”.

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Distante das Linhas de Nazca 0 1277

Thiago Orlando Monteiro

Alguns vazios aumentam sempre que tentamos preenchê-los. E geralmente, porque tentamos preencher com algo que não nos cabe, ou no mínimo não nos pertence.

Não há muito que se ver aqui em cima. Menos ainda há o que se orgulhar. O cinzeiro está transbordando de cigarros. Por cima da mesa são quatro maços vazios e mais um pela metade. Tem outro vazio que não dá pra ver, embaixo do sofá, mas isso é sobre outro dia. As latinhas de cerveja entulhavam a mesa de centro até agora pouco, agora só restam sete, as outras estão sobre a pia. São quatro e meia da manhã, não há mais tempo de se arrepender de nada.

O fluxo de ideias vem numa vertente capaz de mudar o curso de um rio. São dois furacões que espalham tudo o que acabaram de criar. Instantes após o caos a calmaria tenta se fazer presente. Mas não. Esse tipo de sentimento não é bem-vindo, não agora. O cartão de crédito transforma a pequena montanha em linhas. Tudo começa novamente. E só acaba um grama depois.

Nossos impulsos ruem nossa integridade. E como costuma acontecer, ruínas geram ruínas.

O nascimento do sol enfim consegue barrar o curso desse desastre natural. A sensatez, rara nessas condições, permite que três latas de cerveja descansem na porta da geladeira. Um banho quente ajuda a relaxar o corpo. Mas agora, nada é capaz de parar a mente. Já debaixo do lençol o coração bate como uma britadeira. O medo da vida toma conta outra vez. É curioso como tudo sempre lembra o seu contrário. Minha maior vontade era de não estar aqui. Perto de tudo o que me corrói e tão distante das linhas de Nazca.

Escrito pelo Gabriel Protski

Ilustrado pelo Tho

Carta a Hunter S. Thompson 0 1213

A temporada de futebol americano ainda não acabou. Ainda faltam bombas. Faltam andanças. Faltam confusões. Ainda falta muita diversão. Que venham mais 67. Mais 17. Que apenas venham. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Mesmo que seja obrigado a conviver com o gosto de cloro. Talvez isso não seja plano para mais ninguém. Não importa. Que sigam os jogos, a temporada está só começando.

 


 

Carta de suicídio de Hunter S. Thompson:

“A temporada de futebol americano acabou.

Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de andanças. Chega de natação. 67 anos. São 17 acima dos 50. 17 mais dos que necessitava ou queria. Aborrecido. Sempre grunhindo. Isso não é plano, para ninguém. 67. Estás ficando avarento. Mostra tua idade. Relaxe. Não doerá”

 


 

Gabriel Protski