Marco Antonio.
Essa revista é horrível.
Na página 54, um anúncio publicitário. A foto até que é bonita, com uma imagem composta em camadas. O visual, elegante, me faz lembrar de um seriado famoso da televisão.
No terceiro plano, mais distante, muita madeira. Móveis escuros e caros, iluminação fraca e amarelada. Há um diploma na parede, cuja moldura é bonita, mas não é possível afirmar de qual curso ele atesta o fim, porque tudo ali é desfocado, e as letras no papel são miúdas demais.
Segundo plano: homem de uns 45 anos, levemente grisalho e com a barba por fazer. Trajando roupa social, com a gravata afrouxada e a camisa amassada, passa a impressão de que acabou de chegar do trabalho, onde provavelmente dá mais ordens do que recebe. O conjunto formado por sorriso debochado e cabelo desalinhado avisa, mas o copo de bebida na mão esquerda afirma duas coisas: que ele é casado, e que ele está em um momento de descanso. Estão vendendo conhaque.
Primeiro plano: mensagem em destaque. As palavras “Perder é uma arte” me fazem refletir um pouco, devo admitir.
Devaneio. Vou. Volto. Volto. Volto.
Vou.
Devaneio mais. Ou menos.
Hora de pegar minha carteirinha do plano de saúde. A secretária já fez o que precisava com ela. Autografo um papel.
A revista segue com outros anúncios mais ou menos parecidos. Minha constatação é óbvia, mas válida: os produtos que eles vendem não são para mim. Mas, também, se eu levar em conta que as matérias e entrevistas que aparecem nessas páginas nada tem a ver com o meu estilo de vida, o fato de que tomei conhecimento da minha inadequação a este microuniverso diminui a minha dor. Ainda que não seja exatamente uma dor, isso o que sinto. Não tenho sentido novas dores. Nem novos ódios. O que tenho feito, sim, é medido a vida através de velhos limites, esperando por alguns novos objetivos. É o que posso fazer, mas estes novos objetivos não vêm nunca, aparentemente. Cancelaram a visita e não me avisaram.
Sobre ódios antigos, digo o de sempre: odeio esperar. Ainda mais em consultórios médicos. Odeio música easy listening. E odeio outras coisas que, de fato, valem a atenção.
Esse cenário não faz sentido. Essa revista, também não. Mas, como representação de um aspecto da vida, este pequeno circo simboliza bem o todo das coisas, das situações e dos dias ao qual se refere.